Os diretores e seus filmes
Nascido na Tunísia em 1948, Nacer Khemir ou, como ele insiste em ser chamado, Mohamed Al Nasir Al Khumeir é um poeta, escultor, calígrafo, contador de estórias, muito mais conhecido por ser um diretor de cinema premiado. Desde a infância, viveu em uma cultura de narrativas e adquiriu um hábito permanente de colecioná-las e escrevê-las. Em 1982, foi convidado por Antoine Vitez a contar uma estória na montagem de As Mil e uma noites apresentada no Theatre Nationale du Chaillot. A partir de então, iniciou a realização do filme que inaugurou a trilogia do deserto (Wanderers of the Desert, 1984) e influenciou enormemente o seu trabalho como ator e diretor de cinema.
Seus filmes são sempre repletos de fábulas e remontam à glória dos tempos das estórias árabes. Ele faz isso com um forte simbolismo que remete a uma grande viagem interior. Como vários intelectuais do mundo árabe, mesmo com sua formação francesa, Khemir tem forte identidade cultural com a sua origem. É considerado um arabista e estudioso da literatura árabe que mostra certa impaciência com a superficialidade das artes e das relações nos meios culturais atuais. Muito do seu trabalho traz diálogos, expressões e imagens que muitos podem entender como orientalistas, mas, na verdade, representam a ligação com o passado da grande civilização árabe. No entanto, suas obras acabam refletindo os dias atuais. Khemir tornou-se conhecido como autor e diretor dos filmes que fazem parte da trilogia do deserto (exibidos na 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema do ICArabe). Cada um deles tem um mote especial, mas todos se entrelaçam e se conectam. O último, Baba Aziz, foi bastante aclamado pela crítica internacional e bem recebido em diversos países onde continua sendo exibido. Para Khemir, o filme foi uma oportunidade de combinar o mundo árabe e o Ocidente, entremeando e mostrando a essência de sua herança religiosa, que tem sido fortemente hostilizada no mundo moderno. “Suponhamos que você esteja em uma rua andando com seu pai e ele caia e suje seu rosto. O que você faz? Ajuda a limpar a lama do rosto”, diz Khemir. “Narrativa, para mim, é transcendente. Ela se torna transcendente por meio da abstração. É um tipo de Islã também.” Em meio a todo o sucesso de Baba Aziz, Khemir se preocupa em falar sobre a dignidade e o orgulho de pertencer a uma cultura de humanismo e universalidade.
Nacer Khemir, filmografia selecionada
2005. Baba Aziz, the Prince who Contemplated his Soul
1991. In Search of the Arabian Night (A la Recherche des Mille et une Nuits)
1990. The Dove’s Lost Necklace (Le Collier Perdu de la Colombe)
1984. Wanderers of the Desert (Les Baliseurs du Désert)
1978. Somaa
1977. L‘Ogresse
1975. Le Mulet (Short Animated Feature)
1975. The Story of the Land of God (L’Histoire du Pays du Bon Dieu)
Philippe Aractingi é de origem franco-libanesa. Nasceu em Beirute, onde cresceu. Já realizou mais de 40 filmes ao redor do mundo, entre reportagens, documentários e obras de cunho mais pessoal. Autodidata e humanista, ele passou 12 anos na França, regressando ao Líbano para realizar Bosta (O ônibus), primeiro musical pós-guerra do país. Bosta foi um verdadeiro sucesso no Líbano e em todo o mundo árabe, tendo estreado em mais de 20 países. Foi apresentado no Brasil durante a 3ª. Mostra Mundo Árabe de Cinema (2008). O filme foi indicado para representar o Líbano nos oscares em 2006. Em julho daquele ano, quando o seu país foi de novo arrasado pela guerra, Philippe Aractingi reagiu de imediato, filmando seu segundo longa-metragem em cenário de guerra, Sob as bombas.
Prêmios: Golden Pony e de melhor atriz do Festival de Dubai (2007), Altre Vision e Human Rights do Festival de Veneza, Prêmio da Crítica do Festival da Eurásia, Grande Prêmio do Júri do Festival Francofonia Namour Internacional. Indicado para o Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance, Seleção Oficial dos festivais de Seatle, Internacional de Estocolmo e do Human Right Watch.
Entrevista com o diretor
Esse filme foi minha reação à guerra de 2006. Ou eu me desesperava ou eu canalizava minha angústia e revolta em algo criativo. A ideia de misturar ficção e documentário surgiu inicialmente em 1989, durante os últimos dias da guerra civil. Eu queria colocar atores no meio do caos e deixá-los improvisar as estórias. No entanto, o medo me paralisou. Desde então, fiz 40 documentários e um filme de ficção (Bosta, apresentado na 3ª. Mostra Mundo Árabe de Cinema). Quando o bombardeio começou em 2006, juntei os atores e a equipe para fazer um filme improvisado sobre a vida ‘sob as bombas’. Nós começamos a filmar cenas durante um curto cessar-fogo e depois, nos dias que se seguiram à guerra. Logo me dei conta de que não estávamos fazendo um documentário, mas sim um filme sobre as pessoas que estavam morrendo e sobre aqueles cujas vidas estavam sendo totalmente modificadas pela guerra.
As cenas iniciais foram filmadas ainda sob o bombardeio. O restante foi realizado durante os primeiros dias após o cessar-fogo. É difícil em um filme como esse focar naqueles que sofreram tão diretamente a guerra. Nos sentimos como testemunhas. Choramos junto com as pessoas, como as lágrimas que jorraram quando ouvimos uma idosa refugiada que nos contou as circunstâncias em que perdeu a família inteira. Não era como fazer um filme, era mais como viver o filme.
Eu realizo filmes, em primeiro lugar, por mim. Depois por minha família. Depois por Alexandria e, então, pelo Egito. E se o mundo árabe gostar deles, ahlam wa Sahlan (são bem-vindos). E se a audiência estrangeira gostar também, então serão mais do que bem-vindos.
Youssef Chahine é, sem dúvida, um dos maiores diretores do cinema árabe. Ícone e pioneiro do cinema egípcio, nasceu nesse país, em Alexandria, no ano de 1926. Estudou na Universidade de Alexandria e cursou Cinema e Arte Dramática nos EUA. Dirigiu dezenas de filmes, entre eles O destino (1997), A outra (1999) e Alexandria… New York (2004), que abordam temáticas relacionadas à complexa sociedade egípcia e à vida urbana. Falecido em 2008, deixou uma obra premiada e reconhecida em inúmeros países.
Sobre a vida e obra de Youssef Chahine
Nascido em 25 de janeiro de 1926 em Alexandria, iniciou seus estudos na Friar’s School e no English College. Após um ano na Universidade de Alexandria, em que focou seu interesse nos estudos de teatro, mudou-se para os Estados Unidos. Na Pasadena PlayHouse, próxima de Los Angeles, ele estudou Cinema e Arte Dramática por dois anos. Aos 23 anos, dirigiu seu primeiro filme, Baba Amine (1949). Em 1970, Chahine foi premiado com o “Golden Tanit” (Grande Prêmio) do Festival de Filmes de Cartago por The Choice. Em 1972, com o filme The Sparrow, dirigiu a primeira coprodução Egípcia-Argelina. Sete anos depois, ganhou o prestigioso “Urso de Prata”, junto com o Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim, com Alexandria... Why? (1978). Esse filme tornou-se, posteriormente, a primeira parte do que viria a ser uma trilogia autobiográfica que foi completada com An Egyptian Story (1982) e Alexandria again and forever (1990).
Em 1992, Jacques Lassalle propôs a Chahine realizar uma parte da La Comédie Française e Chahine escolheu adaptar O Calígula, de Albert Camus, que se transformou em um enorme sucesso. Em 1994, filmou The Emigrant, uma estória inspirada no personagem bíblico José, filho de Jacob. Esse era um projeto com o qual Chahine sonhou por várias décadas, desde os anos 50. Em 1997, quando o seu filme mais recente era exibido durante o prestigioso Festival de Cannes, Chahine foi premiado com o “Cinquentenaire Prize” pelo conjunto de sua obra.
Em 1999, seu filme The Other (exibido na 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema do ICArabe) foi selecionado para a abertura de “Un Certain Regard”, no Festival de Cannes. Dois anos depois, ele dirigiu o musical Silence... We´re rolling, e em 2004, Alexandria… New York, que deu sequência a sua trilogia autobiográfica.
Os últimos anos
Os anos 90 foram marcantes para o diretor, que atingia a sua maturidade. Chahine havia escrito roteiros para os seus mais audaciosos trabalhos e, no início da década, começou a tocar em temas mais polêmicos. The Emigrant (O emigrante, Al Mohager), de 1994, escrito com Rafiq As Sabban, é um exemplo disso. Por ter um personagem inspirado no profeta José, o filme foi censurado e retirado dos cinemas, mesmo após várias semanas de estrondoso sucesso. Ele foi processado por grupos fundamentalistas que convenceram a corte de que a obra era uma blasfêmia. Chahine mostrou-se inconformado com a decisão e considerou uma humilhante afronta após dois anos de trabalho empreendidos no filme.
A partir desse momento, dedicou-se a temas ainda mais controversos. Um dos melhores exemplos foi em 1997, com o filme The destiny (O destino, Al Massir). A história tem como pano de fundo a Espanha moura do século XII, uma era gloriosa para o Islã, e mostra uma das figuras mais ilustres da época, o filósofo Averroes. Um dos tradutores das obras gregas antigas para o árabe – o que ajudou a preservá-las da destruição –, Averroes formulou suas próprias teorias, que precederam as do Iluminismo europeu por vários séculos. O filme de Chahine retrata o reino liberal do califa mouro Al Mansour, cujos seguidores são fanáticos religiosos, em uma clara analogia aos dias atuais. Por ocasião da première de O destino, no ano de 1997, em Cannes, ele também foi agraciado com prêmio pelo conjunto da obra, de enorme prestígio, oferecido a poucos cineastas, como Orson Welles e Luchino Visconti. De volta ao Egito, Chahine continuou sua batalha com alguns grupos fundamentalistas que se opunham a certos temas em seus filmes. Esse fato causou grande impacto na indústria cinematográfica egípcia, que passou a uma nova onda cultural, com uma redução drástica no número de filmes lançados pelos estúdios do Cairo.
Após os acontecimentos de setembro de 2001, as questões tornaram-se mais difíceis e críticas para o cinema de Chahine. Alexandria… New York, de 2004, foi outro trabalho semiautobiográfico, em que mostrava um agitado diretor egípcio que visitava Nova York pela primeira vez em muitos anos. De forma muito especial, o filme apela de maneira subliminar por um mundo com mais tolerância e entendimento, mais poetas e pensadores, forçando a audiência a prestar atenção em outra linguagem, outra sensibilidade, outra visão de mundo.
Aos 81 anos, Chahine concluiu seu último filme, Caos (Heya Fawda, exibido na 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema), que foi lançado em 2008 e selecionado nos festivais de Veneza e de Toronto. Mas ele não pôde ver seu sucesso derradeiro, exibido até o presente momento em vários cinemas em todo o mundo.
Fonte: http://www.youssefchahine.us/index2.html (Website oficial)
Filmografia selecionada
2007. This is Chaos (Heya Fawda)
2004. Alexandria… New York (Iskanderija… New York)
2002. 11'09''01 - September 11 (segment: Egypt)
2001. Silence… We’re Rolling (Skeet Hansawwar)
1999. The Other (El Akhar)
1997. Destiny (Al-Massir)
1994. The Emigrant (Al-Mohager)
1991. Cairo as seen by Chahine (Al-Qahira Menauwwara Bi Ahlaha)
1989. Alexandria, again and Forever (Iskanderija, Kaman Oue Kaman)
1986. The Sixth Day (Al-Yawm Al-Sadis)
1985. Adieu Bonaparte (Weda’an Bonapart)
1982. An Egyptian Story (Hadduta Misrija)
1978. Alexandria, Why? (Iskanderija… Lih?)
1976. The Return of the Prodigal Son (Awdat Al Ibn Al Dal)
1972. The Sparrow (Al-Asfour)
1971. Golden Sands (Rimal Min Dhahab)
1970. The Choice (Al-Ikhtiyar)
1969. The Land (Al-Ard)
1968. The People of the Nile (Al-Nass Wal Nil)
1967. The Feast of Mairun (Id Al-Mairun)
1965. The Ring Seller (Biya El-Khawatim)
1964. Dawn of a New Day (Fagr Yom Gedid)
1963. Saladin (El Naser Salah El Dine)
1961. A Lover’s Call (Nida Al’Ushshaq)
1961. A Man in my Life (Rajul Fi Hayati)
1960. In Your Hands (Bein Edeik)
1959. Forever Yours (Hubb Lel-Abad)
1958. Cairo Station (Bab El Hadid)
1958. Jamila, the Algerian (Djamilah)
1957. My One and Only Love (Inta Habibi)
1957. Farewell, my Love (Wadda’tu Hubbak)
1956. Struggle on the Pier (aka. Dark Waters) (Siraa Fil-Mina)
1951. Son of the Nile (Ibn El Nil)
1950. Father Amine (aka. Daddy Honest) (Baba Amin)
Sobre Khaled Youssef, co-diretor de Caos
Nascido no Cairo, atuou sempre como diretor-assistente de Youssef Chahine e em vários dos seus filmes, além de como co-roteirista, como em O destino. Dirigiu os filmes The Storm (2000) e My Soul Mate (2006).
Mohamed Al-Daradji nasceu em 1978, em Bagdá. Enquanto estudava Direção Teatral no Instituto de Belas Artes local, um primo seu, politicamente ativo, foi assassinado em 1995, o que o levou a fugir para a Holanda, onde retomou seus estudos na Academia de Audiovisuais de Hilversem. Após concluí-los, trabalhou com ampla variedade de produtoras. Sua paixão pelo cinema o levou a fazer mestrado em Cinematografia na Escola de Arte da Universidade Metropolitana de Leeds.
Festivais e prêmios
Depois do Festival Internacional de Cinema de Roterdã, em que foi agraciado com o Top 10 (votação do público), o filme Ahlaam foi apresentado em mais de 40 festivais de cinema de todo o mundo. Foi escolhido para representar o Iraque na categoria de melhor filme em língua estrangeira no Óscar de 2007. Ganhou ainda, entre outros prêmios, o especial do júri, na Bienal de Cinema Árabe de Paris, em 2006.
A filmagem de Ahlaam
Assim como as produções de Roberto Rossellini e de outrOs diretores do neorrealismo italiano, Ahlaam foi filmado em Bagdá, com atores não profissionais, imediatamente após a guerra.
Após a queda de Saddam Hussein em 2003, Al Daradji voltou ao seu país. Ao chegar ao Iraque, encontrou caos dilacerante e ficou especialmente transtornado pela visão de numerosos pacientes de um centro psiquiátrico perambulando pelas ruas, uma vez que os hospitais tinha sido destruídos pelas bombas. A experiência de ajudar a recolher alguns desses pacientes o inspirou a criar o filme Ahlaam.
A equipe de filmagem trabalhou sob condições políticas e militares instáveis durante 55 dias em Bagdá. Não só se deparou com todo tipo de limitações técnicas como também esteve exposta aos disparos dos dois lados e experimentou sequestros, torturas e prisões por parte dos rebeldes e das tropas estadunidenses. Apesar do passe livre do comando da coalizão e da proteção da polícia iraquiana, Al-Daradji teve que trabalhar empunhando um AK47 numa mão e a câmera na outra. Isso não impediu que um membro da equipe, Mohamed, fosse sequestrado, espancado e ameaçado de execução por baathistas antes de ser entregue aos estadunidenses para ser submetido a um interrogatório extremo. Um dos policiais que davam proteção à equipe foi assassinado durante a filmagem, enquanto um técnico de som de 18 anos teve uma perna atingida por um tiro e o primo do diretor, de 15 anos (operador de som), sofre problemas mentais permanentes como consequência dos abusos e humilhações que sofreu nas mãos das forças estadunidenses. Nos créditos finais, a informação de que o ator que interpreta o pai de Ahlaam foi assassinado um pouco depois de terminada a filmagem. Supreendemente, a maior parte do filme foi salva e pôde ser editada em Leeds, no Reino Unido.
As personagens
AHLAAM (ASEEL ADEL) é uma mulher jovem e confusa, que é internada num manicômio depois de ter testemunhado a violenta detenção de seu noivo, um ativista opositor, justamente no dia de seu casamento. Antes, seu cotidiano era permeado pela aparentemente idílica vida da Bagdá pré-guerra, estudando Filologia Inglesa. Agora se encontra em estado de desilusão dentro de sua reduzida existência. Veste sempre seu vestido de casamento como uma patética recordação da vida imaginada junto a seu marido.
ALI (BASHIR AL-MAJID) é um homem otimista e orgulhoso de servir a sua pátria. Cumpre o serviço militar obrigatório, sendo destinado para perto da fronteira com a Síria, junto com o seu neurótico amigo Hassan, o qual é ferido em ataques dos britânicos e estadunidenses. Ele tenta salvá-lo, levando-o a algum hospital. Aturdido pelas bombas, aproxima-se da fronteira síria. Nesse momento, é interceptado pela polícia militar e fica horrorizado com sua crueldade. Razão por que é condenado a ingressar no mesmo manicômio onde está Ahlaam. Sua força de vontade o ajudará a salvar muitas vidas, mas poderá salvar a si mesmo?
MEHDI (MOHAMED HASHIM) é um idealista e incansável trabalhador, cuja carreira universitária de Medicina é interrompida quando sua petição para realizar os estudos de pós-graduação é recusada devido à morte de seu pai, que estava nas mãos do governo por ser filiado ao partido comunista. Mehdi é recrutado pelo exército iraquiano e enviado para trabalhar na instituição psiquiátrica em que estão internados Ahlaam e Ali. Ele anseia por um Iraque livre do ódio e do medo, onde reine a humanidade, os homens encontrem a verdade e triunfe a nobreza acima da brutalidade da qual é testemunha. O espírito de Mehdi sobreviverá à devastação.
James Longley nasceu em Oregon, em 1972. Estudou Cinema e Filologia Russa nas universidades de Rocheste e Wesleyan, nos Estados Unidos, e no Instituto de Cinematografia Russa de Moscou (VGIK). Seu documentário como estudante, Retrato de criança com cachorro, sobre um menino num orfanato de Moscou, recebeu o prêmio da Academia para Estudantes (Student Academy Award) em 1994. Depois de trabalhar como projecionista em Washington, professor de inglês na Sibéria, editor de um jornal em Moscou e web designer em Nova York, Longley viajou à Palestina em 2001 para realizar seu primeiro longa documentário, Gaza Strip. O filme, aclamado pela crítica em festivais de cinema e em salas de exibição dos EUA, aproxima-se da vida e das opiniões de palestinos na ocupada faixa de Gaza com um olhar íntimo. Em 2002, James Longley viajou ao Iraque para empreender a pré-produção de seu segundo longa documentário, Iraque em fragmentos, cuja filmagem só acabou em janeiro de 2006, tendo estreado no Festival de Cinema de Sundance.
Prêmios: Festival de Cinema de Sundance (melhores direção, fotografia e edição, sendo o primeiro documentário a receber esses três prêmios juntos); Prêmio Nestor Almendros, no Festival Human Rights Watch; Prêmio Nesnady + Shwartz de cinema documental do Festival Internacional de Cinema de Cleveland; Prêmio da Crítica Internacional – Fipresci – do Festival de Tesalônica; e Grande Prêmio do Júri do Festival de Cinema documental Full Frame.
Comentários do diretor
Numa noite chuvosa em Seattle, EUA, na primavera de 2002, eu estava respondendo a perguntas do público após a estreia do meu primeiro longa-metragem documentário, Gaza Strip. Uma pessoa perguntou o que sempre costumam me perguntar: “O que vai fazer depois?” Sem pensar, eu disse que ia fazer um documentário sobre o Iraque. Naquele momento, não sabia muito sobre o Iraque, não tinha a menor ideia de como chegar, nem como fazer um filme ali. Mesmo assim, em setembro, encontrava-me num carro repleto de jornalistas e pacifistas, cruzando o deserto ocidental iraquiano em direção a Bagdá. Faltavam seis meses para a invasão estadunidense, mas todo o mundo podia sentir que se aproximava, até o próprio governo iraquiano. Os oficiais locais começaram a se incomodar por ter um diretor de cinema independente como eu percorrendo o país com uma câmera. Para eles, todo jornalista independente necessitado de um guarda-costas do governo só estava tirando recursos dos meios, que lhes importavam para sua estratégia propagandística. Em resumo, era uma perda de seu tempo. Não me preocupei com o governo do Baath – ou qualquer outro – e os oficiais iraquianos devem ter percebido isso. Minhas súplicas para obter autorizações de gravações foram friamente ignoradas, mais ainda na minha segunda viagem ao Iraque, algumas semanas antes da invasão estadunidense. Tentar obtê-las na Bagdá do pré-guerra era como tentar enrolar rinocerontes paranoicos. Passei uma tarde no escritório de Huda Amash, em Bagdá, (...) tentando convencê-la de que me desse um papel autorizando-me a gravar a iminente guerra. Huda negou meu pedido e foi embora (...). Pouco tempo depois estava numa prisão estadunidense (...). A guerra estava a ponto de estourar e eu não tinha perspectivas de filmar nada. Meu visto iraquiano tinha expirado, forçando-me a abandonar o país. Enquanto eu dirigia entre a multidão das ruas de Bagdá rumo à estrada jordaniana, estava cheio de remorsos. Na próxima vez que visse Bagdá estaria seguramente em ruínas. Nem fazia ideia do que seria dos meus no Iraque. Deixar Bagdá antes da guerra é uma das minhas lembranças mais tristes. Esperei a guerra no Egito, caminhando de um lado a outro, passeando pelo Cairo e seu tráfego opressivo, vendo os bombardeios noturnos de Bagdá na tevê, esperando o momento oportuno até a queda do regime do Baath para poder voltar ao Iraque e fazer o filme do que passou depois. Em abril de 2003, regressei a Bagdá, dessa vez sem necessidade de visto ou qualquer autorização para gravar. A fronteira iraquiana estava aberta como uma porta sem tranca. As forças de segurança do Estado e todos os ministérios estavam destroçados, salvo o do interior e o do petróleo. Bagdá tinha se convertido num regime de saques, raptos, tiroteios, bombardeios e uma profunda insegurança sobre o futuro do país. De repente, as portas estavam abertas. Não havia nenhum governo no Iraque e eu podia gravar o que quisesse, enquanto me mantivesse com vida. Pensei que só teria um ano até que chegasse outro governo autoritário ao Iraque e que estourasse uma guerra civil que me impedisse de continuar o meu trabalho ali. Precisava fazer esse filme enquanto fosse possível. Mudei-me a um apartamento modesto do edifício Al-Dulami, no sul de Bagdá, com os jornalistas de rádio Raphael Krafft e Aaron Glantz. Utilizando meus contatos de expatriados iraquianos, encontrei um tradutor local para trabalhar comigo e juntos passamos a documentar o país.
James Longley
www.iraqinfragments.com
Bahman Ghobadi nasceu em 1969, no Curdistão iraniano. Enquanto era estudante, trabalhou numa emissora de rádio e se incorporou a um grupo de jovens cineastas aficionados na cidade de Sanandaj, com os quais começou a realizar curtas-metragens. Mais tarde, fixou-se em Teerã, capital do Irã, onde se matriculou na universidade para estudar cinema, mas teve de abandonar a faculdade antes de se graduar. Entre 1995 e 1999, realizou uma dezena de curtas-metragens que obtiveram numerosos prêmios em diversos festivais nacionais e internacionais. Em 1999, ocupou o posto de primeiro-assistente de Abbas Kiarostami durante a filmagem de O vento nos levará. Em 2000, dirigiu seu primeiro longa-metragem, Tempo de embebedar cavalos, que foi apresentado na Quinzena de Realizadores de Cannes, obtendo a Câmera de Ouro e o Prêmio da Crítica Internacional. Seu segundo longa, Canções da terra de minha mãe – Exílio no Iraque (2002), foi apresentado em Cannes, na seção Un Certain Regard, e premiado no Festival de Chicago.
Entrevista com o diretor
As crianças e a guerra
No meu primeiro longa-metragem, os meninos pobres eram os principais protagonistas e voltar a me centrar neles nesse caso não foi algo premeditado: tinha vontade de realizar um filme urbano sobre o meu passado, mas quando fui a Bagdá, duas semanas depois de iniciada a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, para a estreia do meu filme Canções da terra de minha mãe, vi muitas atrocidades na vida das pessoas, e especialmente na das crianças, que sempre são as primeiras vítimas e das quais ninguém tratava. O caso de um menino mutilado me comoveu. Eu queria fazer um filme contra a guerra. Então voltei e fui viver com as crianças para me sentir mais perto delas. Logo tentei reconstruir as experiências pelas quais elas tinham passado.
Minas
No meu filme, o trabalho das crianças consiste em encontrar minas terrestres antipessoais para depois vendê-las, pois, embora não saiba desde quando o Curdistão está minado, tanto a minha avó como a minha mãe me contaram histórias de minas e de pessoas vítimas delas. Desde que foram inventadas, o Curdistão foi e continua sendo um dos países mais afetados por elas. Os fabricantes estadunidenses e europeus venderam-nas a ditadores como Saddam ou outros, que as disseminaram por todo o país. Acho que levará muito tempo para retirá-las. Cada dia, cada hora, pessoas inocentes morrem ou ficam mutiladas por causa delas. Inclusive há famílias no Curdistão que dão o nome de Mina a seus filhos recém-nascidos!
Guerra por satélite
No filme, todas as personagens buscam informação via satélite sobre a guerra que se avizinha, embora não entendam o idioma e as imagens mostradas na televisão sejam contra as suas crenças. Mas finalmente a informação lhes chega através das predições do menino mutilado. Isso se deve a que, na minha opinião, as cadeias de televisão pertencem a grupos de interesses que consideram os cidadãos do mundo como simples figurantes. Eles, com suas cadeias e suas guerras, usam-nos para ganhar mais dinheiro. Dada a situação em que se encontra a nossa região e as repercussões dela em todo o mundo, ponho em dúvida qualquer forma de informação [...].
Os atores
No Curdistão, não temos atores, porque ali o cinema é uma arte nova. Embora eu tenha atores amadores, trabalho com eles como se fossem profissionais e os dirijo de forma tal que eles possam entrar no personagem.
Oday Rasheed nasceu no Iraque em 1973. Pouco depois de ter concluído os estudos no Instituto de Artes Aplicadas em Bagdá, trabalhou em jornais locais escrevendo ensaios críticos e artigos sobre cinema. Ao final dos anos 90, Rasheed produziu vários filmes experimentais. Seus trabalhos incluem: Mud Whiteness (1997), Another Introduction (1998) e Gilgamesh: The Epic…The Place (2002). Underexposure é seu primeiro longa. Apaixonado por reavivar o cinema iraquiano, seu objetivo é animar todos os jovens iraquianos a continuarem expressando-se pela paz e a liberdade.
Além de ser o primeiro longa-metragem de ficção em Bagdá depois da queda de Saddam Hussein, essa é a estreia cinematográfica do crítico e ensaísta Oday Rasheed. Seu título não só faz referência ao material fílmico como também à situação de um povo que durante décadas foi ignorado pelo resto do mundo e, em meio às idas e vindas políticas e sociais, sonha pôr fim a anos de pobreza e desespero. Essa é a realidade que o protagonista, Hassan, tenta refletir, ele próprio um iraquiano que decide filmar um documentário que retrate Bagdá nos dias subsequentes à invasão estadunidense, no qual realidade e ficção se fundem enquanto seus próprios conhecidos lhe confiam seus testemunhos.
A filmagem
11 de dezembro de 2003. Conheci o cineasta Oday Rasheed um dia numa montanha de tijolos que uma vez foram um prédio da Faculdade de Belas Artes de Bagdá. A metade da fachada do prédio encontrava-se em pedaços de cimento e metal caídos no chão, mostrando seu interior nu. Antes mesmo de perguntar, soube que tinha sido destruído no caos de saques e incêndios do pós-guerra, não pelas bombas estadunidenses. Tinha a cara que cheguei a conhecer: sem buracos nem a implosão de sua estrutura, mas posto abaixo e esvaziado por mãos esfomeadas e desesperadas. Quando Oday vinha caminhando sobre os entulhos para me cumprimentar, pensei que eu nunca vou me acostumar a ver esses prédios assim (a Biblioteca Nacional, o Museu de Bagdá, o Teatro Nacional e muitos outros) nem vou superar a estupidez, tanto dos iraquianos – por fazerem isso – como dos estadunidenses – por assistirem a isso impassíveis – que levaram literalmente a seu desmoronamento.
Jen Banbury, Fuera de las sombras, 11 de dezembro de 2003.
Kasim Abid é iraquiano. Trabalhou durante três anos como responsável pela localização e câmera para a ANN (Arab News Network – Agência Árabe de Notícias) em Londres. Entre seus filmes, destacam-se o premiado Naji Al-Ali: um artista com uma visão e este A vida após a queda. Também deu cursos de televisão na Palestina e no Curdistão iraquiano. Abid é formado em Artes Aplicadas (Teatro e Audiovisual) na Universidade de Bagdá e tem um mestrado feito no Instituto de Cinema de Moscou.
Comentário do diretor
Minha família sofreu as limitações e as perdas da ditadura e se manteve, de alguma maneira, unida. Sobreviveu, aguentou as feridas e esteve preparada para adotar as mudanças quando finalmente elas chegaram após a queda. Sua história pessoal é a metáfora de uma história maior: uma reflexão sobre a enorme agitação produzida no Iraque desde o final do governo de Saddam. À medida que o filme avança, o estado de ânimo da família passa da frágil esperança e da celebração a uma crescente sensação de decepção e desespero enquanto a situação do país fica mais caótica e fragmentada e a violência se aproxima. Eu me senti obrigado a fazer esse filme por razões pessoais: era a minha maneira de redescobrir a minha família, a minha cidade e o meu país depois de uma ausência de 30 anos. Como iraquiano vivendo no Reino Unido, sempre me senti frustrado pela cobertura midiática que se fazia do Iraque. Durante a Guerra do Golfo de 1991 e os 13 anos de sanções impostas pela ONU (Organização das Nações Unidas), que acabaram com a invasão do Iraque em 2003, havia pouco espaço nos meios ocidentais para contar como os iraquianos conseguiam dar continuidade a suas vidas, o que se passava com suas famílias, a sociedade, as instituições e, seguramente, ninguém dizia como se sentiam. Desde 2003, a maioria da cobertura sobre o Iraque, proporcionada pela mídia europeia, se é que se detinha em iraquianos, tinha a tendência a mostrá-los como vítimas e nada mais. Quase todos os anos, já faz cinco, que a imagem nas nossas telas é essa. Mas, ao final, a única coisa que vemos são explosões, fumaça, fogo, gente chorando ou políticos falando. Nunca nos informam como vivem os iraquianos no seu dia a dia; quase nunca se escutam vozes e versões de iraquianos, falando por si mesmos. Como resultado, parece que os iraquianos são deixados à parte, como uma abstração para os espectadores ocidentais. Não são retratados como indivíduos “normais”, como nós em muitos casos, embora vivendo em circunstâncias excepcionais. E isso quer dizer que não entendemos o que ocorre em suas experiências vitais, e por isso não podemos nos identificar com eles.
Isso me cansou profundamente. Pensei que era importante para as pessoas do Reino Unido (e de todo o mundo) serem capazes de se identificar com iraquianos e vê-los como gente normal, gente como eles. Espero que esse filme traga a oportunidade de o público entender o que quer dizer estar vivo no Iraque neste momento, e as consequências humanas da invasão, a ocupação, as guerras, as sanções e os 35 anos de ditadura.
Curtas da Escola Independente de Cinema e Televisão de Bagdá
Apesar da tragédia do Iraque ter sido sentida por muitas famílias, inclusive as dOs diretores Abid Kasim e Maysoon Pachachi, ambos voltaram ao seu país logo após a queda do regime e lá permaneceram durante a ocupação estadunidense. Após mais de 20 anos longe de seu país, depararam-se com muitas mudanças e também com o desespero do cenário caótico, desolador e apavorante. Após terem realizado seus documentários sobre a vida no Iraque (A vida após a queda e Retorno ao país das maravilhas), dedicaram-se a iniciar uma escola para documentaristas iraquianos, a Escola Independente de Cinema e Televisão de Bagdá. Com sede num escritório de dois quartos no terceiro andar de um prédio numa pracinha central de Bagdá, Abid e Maysoon formaram mais de 80 estudantes na arte de fazer filmes. Esses produziram 21 curtas documentários, retratando uma variedade de experiências do dia a dia, como a história de uma família forçada a vender seus bens antes de fugir à Síria, ou um dia na vida de um médico em Bagdá.
A escola é financiada por subvenções não governamentais e donativos individuais, para evitar qualquer controle por parte do governo. Apesar da falta de meios e recursos, Abid acredita que os iraquianos têm o dever de manter as suas câmeras filmando. “Há um provérbio chinês que eu adoro: ‘acenda uma vela ao invés de amaldiçoar a escuridão. Isto é, só falar não mudará nada.”
A Mostra Especial Relatos do Iraque, que faz parte da 4ª Mostra Mundo Árabe de Cinema, inclui três documentários produzidos por esses jovens diretores: Uma vela pelo Café Shabandar, Um estranho em seu próprio país e A despedida.
Nascido em Bagdá em 1967, onde cresceu e estudou Literatura Inglesa, Sinan Antoon formou-se em 1990. Assim como milhares de iraquianos, ele e sua família deixaram o país em decorrência da Guerra do Golfo e imigraram, em 1991, para os Estados Unidos. Ali, Antoon aprofundou seus estudos e pesquisas em Literatura Árabe com um mestrado na Universidade de Georgetown(1995), depois adquirindo o título de PhD por Harvard(2006).
Em 2003, o Iraque voltou a ocupar as páginas dos jornais de todo o mundo com a queda de Saddam Hussein e a invasão estadunidense. Frustrado e indignado com a forma como seu país e seu povo estavam sendo retratados na mídia norte-americana, Antoon voltou, após 12 anos, para sua terra natal com a intenção de produzir um documentário que revelasse as diversas faces e vozes do povo iraquiano, que contasse histórias de pessoas e seus sofrimentos sob a ditadura e a ocupação. Dessa incrível experiência nasceu o longa-metragem Sobre Bagdá, finalizado em 2004.
Como escritor, Antoon publicou, entre outras coisas, a coleção de poemas The Baghdad Blues (Harbor Mountain Press, 2007) e a novela I'jaam: An Iraqi Rhapsody (City Lights, 2007), traduzida para o alemão, norueguês, italiano e português. No Brasil, o livro foi lançado com o título Morrer em Bagdá (Editora Globo).
Comentário do diretor
A Guerra do Golfo destruiu a economia e a infraestrutura iraquianas e as sanções impostas a partir de 1990 tornaram a vida muito difícil no país. Eu me opunha à ditadura de Saddam e quis deixar minha nação porque tinha vontade de escrever livremente, mas foi muito ruim abandonar parentes e amigos. Chorei porque sabia que ficaria muito tempo sem voltar e também porque tinha um sentimento de que o país mudaria tanto que na realidade eu o estava deixando para sempre. Eu estava certo, o país do qual sinto saudades não existe mais.
Em geral, o povo estadunidense foi receptivo a mim e minha família, mas muitas vezes fomos vistos de forma estereotipada e tivemos que enfrentar situações de preconceito. Depois que imigramos, voltei ao Iraque apenas uma vez, em 2003, para fazer o documentário. O que presenciei no meu país natal foi terrível. A ocupação destruiu o Iraque. Não que antes, sob a ditadura de Saddam, fosse ótimo, de fato não havia liberdade, mas a sociedade era estável, havia segurança, educação de qualidade e os serviços públicos funcionavam. Eu tenho dó das crianças que estão crescendo no Iraque de hoje.
Com o filme Sobre Bagdá quis dar voz a iraquianos de diferentes faixas sociais para mostrar ao mundo que a história deles é complexa e que vai além de Saddam Hussein. Eu quis mostrar que os iraquianos não pensam todos da mesma maneira, eles são complexos como qualquer outro ser humano o é..